O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgRg no HC 762.049/PR, firmou importante entendimento em matéria de justiça penal negocial, ao reafirmar que a ausência de confissão na fase inquisitorial não inviabiliza a propositura do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), previsto no art. 28-A do Código de Processo Penal. A decisão foi proferida pela Sexta Turma, sob voto-vista do Ministro Sebastião Reis Júnior, que concedeu a ordem para anular o recebimento da denúncia e restabelecer o momento oportuno para eventual proposta do acordo.
O caso envolveu o ajuizamento de ação penal com base no art. 337-E do Código Penal, sem que o Ministério Público, à época do oferecimento da denúncia, apresentasse qualquer justificativa quanto à não proposição do ANPP. Apenas após a arguição da defesa, o órgão ministerial alegou que não havia confissão extrajudicial por parte do investigado, razão pela qual teria optado pela persecução penal formal.
Contudo, a Corte Superior entendeu que tal exigência não se coaduna com a literalidade do art. 28-A do CPP, tampouco com o espírito despenalizador do instituto. Destacou-se que a confissão pode ser realizada em momento posterior, inclusive como parte das tratativas do acordo, e que sua ausência no inquérito policial — sobretudo em contextos sem defesa técnica ou sem prévia ciência da existência do ANPP — não pode ser interpretada como recusa tácita ou desinteresse.
Nesse sentido, o STJ reafirmou que o ANPP é um poder-dever do Ministério Público, e sua não propositura, quando preenchidos os requisitos legais e desacompanhada de fundamentação idônea, configura nulidade absoluta, dada a presunção de prejuízo à defesa, que perde a oportunidade de evitar os efeitos da ação penal, como a interrupção do prazo prescricional, a inelegibilidade para benefícios futuros e o estigma da persecução.
A decisão também criticou a prática de condicionar a oferta do acordo à prévia confissão formal durante a investigação, o que, além de violar garantias do investigado, pode representar indevido incentivo à autoincriminação, especialmente em contextos de assimetria de informação e ausência de paridade de armas.
Importante destacar que o voto vencedor referenciou o HC 657.165/RJ, no qual o STJ já havia decidido que a confissão não precisa ocorrer na fase inquisitorial, e que o investigado tem o direito subjetivo de receber fundamentação expressa para eventual negativa do acordo, com direito à remessa ao órgão superior do Ministério Público (art. 28-A, § 14, do CPP).
Assim, o precedente do AgRg no HC 762.049/PR representa significativo avanço garantista, reforçando o devido processo legal na fase pré-processual e limitando o arbítrio na atuação ministerial, especialmente diante de institutos vocacionados à despenalização e à racionalização da justiça criminal.
Por Ricardo Cantergi, advogado criminal.