Gravação de Audiências: Conquista Histórica ou Mordaça na Advocacia? Entenda a Nova Resolução do CNJ

Uma nova resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), construída em conjunto com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), sacudiu o mundo jurídico. Anunciada como uma vitória histórica para a transparência, ela torna obrigatória a gravação em áudio e vídeo de todas as audiências. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) celebrou a medida. No entanto, em um coro dissonante, vozes influentes na advocacia denunciam: a nova regra é, na verdade, uma “mordaça” que silencia a denúncia de abusos.

Afinal, estamos diante de um avanço ou de um retrocesso? A resposta, como quase tudo no Direito, é complexa. A resolução tem dois lados que explicam tanto os aplausos quanto as duras críticas.

O Lado da Conquista: A Prova Agora é Inquestionável

Para a liderança da OAB e uma grande parcela dos advogados, a nova norma é um marco. As razões para comemorar são claras e objetivas:

  1. Fim do “Dito pelo Não Dito”: A principal mudança é a obrigatoriedade da gravação integral dos atos pelo próprio Judiciário. Antes, a gravação era opcional. Agora, o tribunal tem o dever de registrar tudo, criando uma prova fiel e irrefutável do que ocorreu na audiência. Isso é uma arma poderosa contra atas de audiência que “filtram” a realidade ou omitem arbitrariedades.
  2. Direito do Advogado Preservado: A resolução não mexeu no direito do advogado de fazer sua própria gravação, já garantido pelo Código de Processo Civil. Ou seja, a advocacia continua podendo registrar os atos com seus próprios meios como uma garantia adicional.

Sob essa ótica, a regra fortalece a defesa. Qualquer abuso, coação ou erro de procedimento estará eternizado em vídeo e áudio, podendo ser usado como prova robusta em recursos, correições e processos disciplinares. A prova agora é institucional.

O Lado da Mordaça: O Silêncio Imposto às Redes Sociais

Então, de onde vêm as críticas? A polêmica não está no ato de gravar, mas sim no que se pode fazer com a gravação depois.

O ponto nevrálgico da resolução é a proibição expressa de divulgar as gravações em redes sociais e outros meios de comunicação. E é aqui que, para muitos, a casa caiu.

  1. A Perda da Denúncia Pública: Nos últimos anos, advogados passaram a usar as redes sociais como uma arena para expor abusos de autoridade. Vídeos de magistrados ou promotores em condutas questionáveis viralizavam, gerando pressão pública e, muitas vezes, uma resposta mais rápida das corregedorias do que os canais formais conseguiriam. Essa “fiscalização social” era vista como uma ferramenta vital de accountability.
  2. O Risco do Corporativismo: Os críticos argumentam que, ao proibir a divulgação, a resolução força que todas as denúncias sejam feitas apenas “para dentro” do sistema (em corregedorias e conselhos). O receio é que, sem os olhos da sociedade vigiando, o corporativismo prevaleça e muitas denúncias acabem engavetadas. A publicidade era, na visão deles, o maior antídoto contra a impunidade.

Para essa corrente, a resolução efetivamente “amordaça” a advocacia, retirando sua voz mais potente para denunciar injustiças de forma imediata e com alcance massivo.

O Coração do Debate: Prova Jurídica vs. Controle Social

No fim, a discussão se resume a uma pergunta fundamental: qual é o propósito de uma gravação de audiência?

  • É ser um instrumento interno ao processo, garantindo a fidelidade dos registros para uso exclusivo das partes e dos órgãos de controle?
  • Ou é também um instrumento de transparência e controle social, permitindo que a sociedade fiscalize a atuação de seus juízes e promotores?

A resolução do CNJ abraçou firmemente a primeira visão. Garantiu a prova, mas a confinou aos autos e aos procedimentos formais. Ao fazer isso, cortou as asas da segunda visão, que via na publicidade uma ferramenta de justiça e de defesa das prerrogativas.

A advocacia, portanto, se encontra em um paradoxo: está mais forte do que nunca para provar um abuso dentro do sistema, mas potencialmente mais fraca para denunciá-lo fora dele. Os próximos capítulos dirão qual desses lados pesará mais na balança da Justiça.

Como advogado, confesso que já entrei em audiências preparado para gravar, temendo a possibilidade de abusos. Felizmente, nunca precisei usar esses registros, e jamais os divulgaria como forma de gerar debate público. Acredito que a discussão é válida, mas me questiono sobre os limites da exposição.

A advocacia que clama contra a “mordaça” parece esquecer que essa é uma via de mão dupla. Imagine se magistrados passassem a divulgar trechos de audiências em que jovens advogados, no calor do momento, fazem perguntas equivocadas ou deixam passar um ponto importante? A mesma exposição que hoje serve para denunciar um juiz poderia, amanhã, destruir a carreira de um colega em início de carreira. O mesmo vale para membros do Ministério Público.

Por isso, hesito em ver a nova regra como uma mordaça. Para mim, ela parece mais um chamado à responsabilidade. Se eu me sentir ofendido ou presenciar um abuso, a gravação será minha prova irrefutável para tomar as medidas cabíveis nos foros corretos. A necessidade de transformar o conflito em um espetáculo público é que me parece questionável. A mesma coerência que tenho ao proteger a imagem e a privacidade dos meus clientes, busco manter para com todos os profissionais envolvidos no processo. A Justiça se fortalece com provas, não com cliques.

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