Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça reforçou um princípio essencial do processo penal acusatório: o tribunal não pode decretar prisão preventiva de ofício, sem pedido do Ministério Público ou da autoridade policial.
No caso analisado (HC nº 997718/SP), o paciente havia sido condenado em primeiro grau à pena de 1 ano e 8 meses de reclusão, em regime aberto. Contudo, ao julgar recurso do Ministério Público, o Tribunal de Justiça de São Paulo majorou a pena para 5 anos de reclusão em regime fechado e, de forma surpreendente, decretou a prisão preventiva de ofício, sem que houvesse qualquer requerimento expresso do órgão acusador.
A defesa impetrou habeas corpus, e o STJ reconheceu o constrangimento ilegal, concedendo liminar para suspender a prisão justamente por violação ao sistema acusatório, consagrado no artigo 3º-A do Código de Processo Penal, incluído pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime). A jurisprudência já firmada pela Terceira Seção do STJ é clara: “o juiz não poderá decretar a custódia cautelar sem prévio requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial” (AgRg no HC 837.848/MG, 2024).
❗ O que está em jogo aqui não é apenas um tecnicismo processual, mas a própria preservação das garantias do cidadão frente ao poder punitivo estatal.
Quando um tribunal, ao julgar apelação, decreta de ofício uma prisão preventiva, ele assume um papel que não lhe cabe: o de acusador. Isso rompe com o princípio da imparcialidade do julgador e viola diretamente a legalidade processual.
Por que isso importa?
Porque, caso contrário, o processo penal se tornaria um verdadeiro “cassino jurídico”, em que o Estado joga com as regras que mais lhe convêm, decretando prisões ao sabor do resultado do julgamento, sem requerimento da parte legitimada. Isso fere a paridade de armas e o devido processo legal.
Além disso, o STJ também alertou: é possível decretar a prisão, sim, mas somente com pedido fundamentado da parte e dentro dos limites legais, inclusive podendo-se aplicar medidas cautelares diversas da prisão, conforme prevê o artigo 319 do CPP.
✍️ Conclusão
A decisão do STJ é um importante lembrete: não cabe ao Judiciário suprir a inércia do Ministério Público, nem tampouco agir como órgão acusador. A legalidade, a imparcialidade e o contraditório devem ser os pilares de qualquer decisão que restrinja a liberdade do cidadão.
Se você é operador do Direito, advogado criminalista ou apenas um cidadão atento às garantias fundamentais, fique atento: prisão sem pedido é prisão ilegal — e deve ser combatida com firmeza.
Por Ricardo Cantergi, advogado criminal.